Lembrado todos os anos no último domingo de janeiro - em 2016, dia 31 - o Dia Mundial e Nacional de Combate à Hanseníase reforça o compromisso global em eliminar a doença, promover o diagnóstico e o tratamento, difundir informações e desfazer o preconceito. O Brasil é o país que concentra o maior número de casos e o único que não está em processo de eliminação da hanseníase, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). De acordo com dados do Ministério da Saúde, em 2014 foram registrados, em todo o país, 31.064 novos casos de hanseníase, o que corresponde a um coeficiente de prevalência de 15,32 novos casos da doença por cada 100 mil habitantes. A OMS recomenda que este índice não ultrapasse o limite de 10 novos casos por cada 100 mil habitantes. Então, apesar de ser 100% curável, com tratamento que interrompe a transmissão em 48 horas disponível gratuitamente no Sistema Único de Saúde (SUS), a hanseníase permanece como um grave problema de saúde pública no Brasil. O preconceito, alimentado por décadas de desinformação, parece ser o principal obstáculo ao enfrentamento da doença, considerada a mais antiga humanidade.
Há mais de três décadas, o Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), entidade brasileira sem fins lucrativos que é referência internacional no tema, luta pela garantia dos direitos humanos de pacientes, ex-pacientes e das famílias que foram separadas durante a vigência do isolamento compulsório de pessoas com hanseníase. No Brasil, até a década de 1980, a lei federal nº 610, de 1949, recomendava o isolamento compulsório dos pacientes com hanseníase em colônias, chamadas à época de leprosários. A mesma lei ordenava a entrega dos bebês nascidos nestes locais à adoção, o que levou à separação de milhares de famílias. Esta situação perdurou até 1986, quando os antigos hospitais-colônia foram transformados em hospitais gerais.
“Durante séculos não havia tratamento para hanseníase e a medicina recomendava o afastamento e segregação dos pacientes. A prática do isolamento compulsório, que permaneceu sem ser questionada mesmo após o advento do tratamento via oral, desencadeou o maior caso de alienação parental da história do país, episódio conhecido como o holocausto brasileiro. Em 1986 os portões foram abertos, mas a luta pelo reencontro das famílias e pela reparação de danos continua”, revela o coordenador nacional do Morhan, Artur Custódio.
Desde 2007, a lei federal 11.520 concede medidas reparatórias às pessoas que foram submetidas ao isolamento compulsório. A indenização corresponde à pensão vitalícia de um salário mínimo e meio e à garantia de fornecimento de próteses, realização de intervenções cirúrgicas e assistência à saúde por meio do SUS. Porém, as medidas não se estendem aos filhos dessas pessoas, entregues compulsoriamente à adoção ao nascer. “Lutamos para que o Estado brasileiro reconheça o crime cometido contra esses cidadãos. O Brasil pode escrever o seu nome na história dos Direitos Humanos e ser o primeiro país a cumprir resolução da ONU que protege as antigas colônias, as pessoas que foram confinadas e os seus familiares”, informa Artur. O coordenador nacional do Morhan se refere ao PL 2104, aprovado em novembro em decisão histórica da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados, que altera a lei federal 11.520/2007 e estende suas medidas reparatórias aos filhos entregues compulsoriamente à adoção ao nascer.
Histórias de vida e superação
“Nos tiraram de nossas mães como tiram filhotes de cachorro de sua mãe. Isso foi um crime. Sem nossa autorização, nos privaram do amor”. O relato é de Ermelindo da Silva, conhecido como Sorriso, que em 1968 nasceu na antiga colônia Pirapitingui, atual Hospital Dr. Francisco Ribeiro Arantes, em Itu, interior de São Paulo. Com apenas duas horas de vida, ele foi encaminhado para o Educandário Santa Teresinha. Não teve hanseníase, mas como os milhares de brasileiros nascidos em hospitais-colônia foi privado do convívio com sua mãe. “O Estado retirou de nossas mães o direito de criar e amamentar os seus filhos. Tudo isso mexeu muito com todos nós. Eu tive muitos problemas e, ao sair do orfanato, vivi na rua por 20 anos. Com a ajuda do Morhan eu me reergui. Hoje luto para que este crime seja reconhecido e estou escrevendo um livro sobre a minha história, chamado ‘O menino rejeitado’”, conta Sorriso, hoje com 47 anos.
O voluntário do Morhan Célio Gonçalves Marques, 51 anos, encontrou no Movimento um novo sentido para a vida, depois de ser diagnosticado com hanseníase em 1985, aos 21, logo após o fim da prática do isolamento compulsório no país. Por mais de 15 anos, Célio foi responsável por atender as ligações do Telehansen - linha telefônica gratuita para esclarecer a população brasileira sobre hanseníase - colaborando para difundir informações sobre a doença e assim desfazer o preconceito. Atualmente, o Morhan oferece um serviço online em seu site (www.morhan.org.br) para tirar dúvidas em tempo real, por meio de um chat.
A história de Célio, hoje curado, mostra que por ser uma doença negligenciada a hanseníase, muitas vezes, tem desfechos que poderiam ser evitados com o tratamento adequado. “Eu tive dormência e dores nas articulações. O médico diagnosticou reumatismo. Fiz tratamento por três por anos, sem resultado. Acabei desenvolvendo sequelas e, depois disso, me encaminharam para o posto de saúde de Nova Iguaçu, onde o médico, só de olhar, disse que eu tinha hanseníase. Ele me tratou de forma grosseira, ligou o ventilador atrás dele e disse que não queria pegar essa doença. Fiquei deprimido e fui procurar um psicólogo. Assim conheci o Morhan e pude dar a volta por cima”, lembra Célio.
Morhan: um movimento de reintegração
Desde sua criação, em 1981, o Morhan luta contra o isolamento compulsório das pessoas com hanseníase no Brasil e no mundo e pela indenização dos cidadãos submetidos a esta política criminosa. O Movimento nasceu da revolta de pacientes que tinham alta compulsória dos asilos, mas, sem laços familiares, não tinham para onde ir. Em mais de três décadas de atuação, o Morhan conseguiu vitórias importantes, como a aprovação da Lei Federal nº 11.520/2007, que reconhece o direito à indenização a todos que foram internados e isolados compulsoriamente no país.
Presente em todos os estado brasileiros, o Morhan realiza ações educativas em todo o território nacional, com base no voluntariado. Alguns voluntários famosos apoiam a causa, como a artista Elke Maravilha, o cantor Ney Matogrosso e todas as Misses Brasil, desde 2012, por meio do programa “Beleza com Propósito”, associado ao concurso Miss World. A atual Miss Brasil, Catharina Choi, que dia 19/12 participará do Miss World, na China, apoia a causa e já visitou diversos antigos hospitais-colônia. Além dos famosos, milhares de voluntários anônimos, como Célio, são parte fundamental do Movimento e garantem, todos os dias, os direitos humanos das pessoas atingidas pela hanseníase.
Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase – MORHAN
Assessoria de Comunicação
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Renata Fontoura - 21 996 150 648
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